quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Mude

Mas comece devagar, porque a direção é mais importante que a velocidade. Sente-se em outra cadeira, no outro lado da mesa.
Mais tarde,mude de mesa.Quando sair, procure andar pelo outro lado da rua. Depois,mude de caminho, ande por outras ruas, calmamente, observando com atenção os lugares por onde você passa. Tome outros ônibus.
Mude por uns tempos o estilo das roupas. Dê os teus sapatos velhos. Procure andar descalço alguns dias. Tire uma tarde inteira pra passear livremente na praia, ou no parque, e ouvir o canto dos passarinhos.
Veja o mundo de outras perspectivas.
Abra e feche as gavetas e portas com a mão esquerda. Durma do outro lado da cama...
depois, procure dormir em outras camas.
Assista a outros programas de TV, compre outros
jornais...leia outros livros.
VIVA OUTROS ROMANCES.
Não faça do hábito um estilo de vida.
Ame a novidade.
Durma mais tarde. Durma mais cedo. Aprenda uma palavra nova por dia numa outra língua. Corrija a postura. Coma um pouco menos, escolha comidas diferentes, novos temperos, novas cores, novas delícias. Tente o novo todo dia, o novo lado, o novo método, o novo sabor, o novo jeito, o novo prazer, o novo amor, a nova vida.
Tente.
Busque novos amigos. Tente novos amores. Faça novas relações.
Almoce em outros locais, vá a outros restaurantes, tome outro tipo de bebida, compre pão em outra padaria. Almoce mais cedo, jante mais tarde ou vice-versa. Escolha outro mercado... outra marca de sabonete, outro creme dental... tome banho em novos horários.
Use canetas de outras cores. Vá passear em outros lugares.
AME MUITO, CADA VEZ MAIS, DE MODOS DIFERENTES.
Troque de bolsa, de carteira, de malas, troque de carro, compre novos óculos, escrevas outras poesias. Jogue fora os velhos relógios, quebre delicadamente esses horrorosos despertadores.
Abra conta em outro banco. Vá a outros cinemas, outros cabeleireiros, outros teatros, visite novos museus.
Mude.
Lembre-se que a vida é uma só. E pense seriamente em arrumar um novo emprego, uma nova ocupação, um trabalho mais light, mais prazeroso, mais digno, mais humano. Se você não encontrar razões para ser livre, invente-as.
Seja criativo.
E aproveite para fazer uma viagem despretensiosa, longa, se possível sem destino. Experimente coisas novas. Troque novamente. Mude de novo. Experimente outra vez. Você certamente conhecerá coisas melhores e coisas piores do que as já conhecidas.
Mas não é isso o que importa.
O mais importante é a mudança, o movimento, o dinamismo, a energia.
Só o que está morto não muda!


Por Simone Spoladore

Rotina

A idéia é a rotina do papel.
O céu é a rotina do edifício.
O inicio é a rotina do final.
A escolha é a rotina do gosto.
A rotina do espelho é o oposto.
A rotina do perfume é a lembrança.
O pé é a rotina da dança.
A rotina da garganta é o rock.
A rotina da mão é o toque.
Julieta é a rotina do queijo.
A rotina da boca é o desejo.
O vento é a rotina do assobio.
A rotina da pele é o arrepio.
A rotina do caminho é a direção
A rotina do destino é a certeza.
Toda rotina tem a sua beleza.

Paris, eu te amo

A - Nos conhecemos?
A - Tenho a impressão de que nossos caminhos se cruzaram
A - Onde mora? Eu moro no 17
A - Talvez o tenha visto no meu bairro
A - Não é muito falante
A - Não tenho certeza, mas acho que já vi você antes
A - Tem um olhar mistico
A - Há algo realmente especial em seu olhar
A - Acredita em fantasma?
A - Gosto muito desse assunto
A - Talvez nos conhecemos em outro tempo, em outra época
B - Tem fogo?
A - Fogo?
B - Obrigado
A - É estranho, mas quando o vi senti vontade de falar com você
A - Como se...
A - Não o sei... É muito forte
A - É estranho
A - Pensei que se não falasse antes de desaparecer estaria deixando passar algo... importante
A - É lindo, não?
A - Trabalha em um belo lugar
A - Não queria perder a oportunidade de falar com você, porque... é bobo, mas simplesmnete não queria
A - Posso? (sentar)
B - Sim
A - Acredita em alma gêmeas?
A - Alguem que é sua outra metade
A - Gosta de Jazz?
B - Sim
A - Chalie Parker
A - E Kurt Cobain? Adoro Kurt Cobain
A - Não importa
A - Vou te dá meu número
A - Adoraria conversar em você
A - Me liga
A - Uma conversa mais séria e sobretudo mais longa
A - Mais longa
A - Toma
B - Muito obrigado
(...)
C - Que foi?
B - Não sei, ele me deu isso
C - Seu número de telefone
B - Não entendi muito bem o que dizia
B - Meu francês não é tão bom
B - Disse muitas palavras que não estão em meu livro
C - Liga pra ele e descubra

Quero dizer a que vim

Não quero só ficar bem na foto
Quero dizer á que vim
Mesmo que isso me custe
Revelar coisas que não gosto
Em mim.

Nem sempre gosto dessa cara de alegre,
Quando sei que tenho tanta dor por trás

Eu não acredito em mais nada a 8 á 80.
Você sabe, eu aprendi demais


Por Marina Lima

Mãe é tudo igual.

"Ela nunca me cobrou nada.

Ninguém me entende como ela.

A gente se fala toda hora."

"Por ela eu teria sido médica

Acho que ela nunca me entendeu."

"Acredita que a minha mãe criou seis filhos.

Eu tive que ser mãe pra entender.

Ah mãezinha, me empresta um pouquinho da sua paciência."

"Eu criei coragem e falei assim 'Mãe, eu vou embora.'

A gente não se fala a dois anos."

"Parece até que eu sou a mãe e ela a filha.

Ela já foi até pra balada comigo.

O mãe hoje eu é que vou sair com a bolsa vermelha."

"Esses olhos aqui são dela.

Eu sinto tanta falta de falar com ela."

Mãe é tudo.

Alfredo, é Gisele

Sora vê, daqui do táxi a gente sabe é cada coisa... Sabe e aprende, aprende até a não ter preconceito. Outro dia peguei um casal assim já de meia idade, bem apessoado, lá no centro, no Teatro Municipal. Eles tinham ido vê uma tal de uma Ópera, sei lá. Já eram umas 11 e meia da noite, a gente veio bem até o Aterro, entramos em Botafogo e o trânsito emperrou. A mulher já azedou na hora e foi falando para o marido:

- Que trânsito é esse, quase meia noite? Não é esquisito, Alfredo?

E o tal do Alfredo parecia um homem rico mas não era fino, sabe ? E não gostava mais dela, eu acho. O cara era uma múmia. A resposta dele pras conversas da mulher tavam mais pra rosnado, sabe?

- Alfredo, isso não é uma absurdo? Nós aqui parados num trânsito quase de madrugada, não entendo, é estranho, hoje é sábado. Será que é algum acidente, Alfredo?

Como o homem não dizia nada, aí e eu interrompi: com todo respeito sabe o que é isso madama? Simplesmente aqui virou um lugar só de "homensexuais" e mulher sapatona. É cheio de barzinho deles, a rua toda. Fim de semana ferve. Quem quiser ver homem beijando homem e mulher se esfregando em mulher, é aqui mesmo.
- Você tá ouvindo, Alfredo? Meu Deus, eles agora tem até bar pra eles, até rua!? Não é um absurdo, Alfredo?

- Ô Onça, cê me conhece, sabe bem como é que eu sou. Pra mim isso se resolve é na porrada. Se eu sou o pai, desço do carro e não quero nem saber o que é que entortou, o que é que virou, não quero saber o que é cú e o que é fechadura, baixo o sarrafo na cambada! Eu, com sem vergonhisse, o sangue sobe, eu viro bicho.
- Pára de falar essas palavras de baixo calão, Alfredo. Hum! Fica de gracinha que a pressão vai lá nos Alpes, você sabe muito bem o que é que o médico falou ..., não é motorista? Alfredo não é muito esquentado?

Eu dei o meu pitaco:

- É madame, o negócio que ele tá falando é como eu vi no filme. Uma metáfora. Ele não vai bater, vai só ficar zangado.
- E o senhor sabe o que é metáfora? O senhor entende de metáforas? Escuta isso Alfredo! O que é metafora, seu motorista?
- Metáfora pelo que eu entendi é assim: aquilo não é aquilo, mas é como se fosse aquilo. Então, em vez da gente dizer que aquilo é como se fosse aquilo, a gente diz que aquilo é aquilo. Mas não é. É como se fosse. Foi?
- Eu acho que o senhor tá certo, mas na verdade eu estou é chocada com essa libertinagem. Olha aquele homem... que safadeza me Deus! E de bigode ainda! Escuta isso Alfredo!
- Escutar o quê, Coisa?
- O que eu estou vendo, gente! Ai, Alfredo, não está vendo? Parece que é cego, não é motorista?
- Hoje tá até fraco. Eu falei. Hoje nem tem os “general”?
- Quem são? Escuta isso Alfredo?
- General das sapatona é aquelas de coturno que parece mais com um macho do que qualquer coisa. E o outro general é o homem transformista que é a traveca, mas anda é na gillete mesmo.
- Tá ouvindo, Alfredo? A violência e a decadência como estão?
- E a gente vai ter que ficar parado nesta merda, ô Coisa?
- Calma Alfredo, não fica nervoso! Isso é questão do nível das pessoas. A gente que tem... não é motorista? ... mais condições, temos que entender essa...,essa..., como é que eu digo, meu Deus? Essa...
- Putaria!

Falamos juntos, eu e o tal do seu Alfredo com cara de doutor de num sei de quê.

- Cruzes Alfredo, não era isso que eu ia.... Alfredo, olha aquela moça! Gente, uma menina, dezoito no máximo, e a outra maiorzuda no meio das pernas da coitadinha, fazendo sabe lá o quê !!! Tá vendo Alfredo aquela alí? Alí, aquela Alfredo, em cima do carro! Olha lá Alfredo, a mão da grandona na menina! Elas vão ser beijar na boca, minha Nossa Senhora...
- Que transitozinho, hein? nunca mais viremos por Botafogo, tá decidido!
- Mas Alfredo olha a menina! Tá beijando, tá beijando, tá beijando Alfredo! Ela parece... Alfredo é Gisele! Alfredo! Nossa filha!?
- Filha da puuuutaaa...

E desmaiou o tal doutor, enquanto a jararaca da mulé ventou porta afora de sapato na mão atrás das duas e eu pensando: não quero nem saber, encosto aqui mesmo e espero o resolver, que uma corrida dessa eu não vou perder, que eu não sou bobo e nem sou rico. É ruim de eu ir embora, heim?

Então eu fiquei naquela situação: eu com um cara que era um ex-valente todo desmaiado no banco de trás parecendo uma moça, a mulé saiu pisando forte que nem um general, quer dizer, tudo trocado e eles reclamando da filha. Se eu pudesse eu ia lá defender a moça, mas não posso, já que o negócio é de família, né?
Eu não tenho preconceito, mas é isso que eu tava falando pra senhora: daqui a gente sabe cada coisa! E é cada um com o seu cada qual.


Por Elisa Lucinda

Confissões

Você precisa me compreender que eu não só tenho uma família, mas também tenho agora toda uma turma, e isso é poder.

Mas não sou de acabar com a raça de ninguém, meu irmão.

Nunca tive o objetivo de matar ninguém, muito menos quando decidi participar daquele ataque de gangue.

Eu só queria ser aceito pelo grupo.

Um dia, porém, me forçaram a fazer algo que me abriu os olhos e eu me dei conta de que a coisa não era brincadeira.

Um dos meus camaradas foi assassinado e eu tive que dar o meu primeiro passeio de carro para matar.

Foi meio perturbador, ver como tentaram armar comigo.

Eu e o meu camarada estávamos indo para o oitavo bloco.

Pintaram uns amigos nossos e pediram para irmos a um certo lugar.

Estacionamos na esquina e o cara pôs um revolver enorme na minha frente.

Ele disse: "Você sabe o que deve fazer."

É hora de mandar bala pela turma.

Mas eu não era de matar ninguém.

Confissões

Teve uma época que eu sofria tanto que eu queria tirar aquele sofrimento de dentro de mim.

Eu cortei os meus braços, mas não para me matar.

Eu não quero morrer.

Sei que tenho sorte por estar neste planeta.

Eu cortei meus braços para que a dor física superasse a dor que estava me comendo por dentro.

Nada foi apagado.

Eu vivo com o meu passado reprimido bem no fundo de mim mesmo.

Ele sai explodindo e ... me invade.

Acredito que somos mensageiros da Terra.

Acredito em anjos.

Sou abençoado por Deus, por dizer a mim mesmo que sofri o tanto quanto sofri para me tornar quem hoje sou.

Confissões

Eu estava a um metro do chão, ofegante, tentando fazer as mãos do meu pai soltarem minha garganta.

Eu olhei nos olhos dele e me perguntei se os meus pés jamais voltariam a pisar no chão.

Você já foi atingido com tanta força que o seu corpo foi parar longe?

Todos nós caímos em algum ponto da vida.

É assim que você aprende a recuperar-se.

Esse é o desafio de verdade.

Não é?

Eu sempre vivi no meu próprio mundo.

Eu danço para fugir dos meus problemas.

Aprendi que há luz até mesmo nos lugares mais escuros.

Não posso culpar meu pai por nada.

Não dá para esperar que os outros façam de você alguém feliz.

Mas, no fundo, eu sei que ele me amava.

Anjos da Noite

Da janela do meu quarto eu posso ver.

Falta pouco para a meia-noite.

Famílias padrão, gente de urna...

Filhos do Sol começam a se recolher.

É hora de ir pra cama, dormir o sono dos justos, na labuta do dia-a-dia.

Mas... Quebrulho é esse? Que gente é essa? Que incômodo é esse?

São eles, as Criaturas da Noite.

Enquanto dormimos findamos um novo dia.

Eles começam o seu dia noturno.

Levantam dos seus túmulos de lembranças guardadas e renascem a cada madrugada.

Numa vida única e marginal.

Que gente é essa que trabalha enquanto dormimos, que sai enquanto nos recolhemos, que fazem barulho no meio do nosso silêncio imóvel?

Que gente é essa? Estranhas criaturas, vampiros alados que se alimentam do cheiro da noite.

Solitários, a dois, em grupos... Dizem que amam.

Será que é verdade?

Dizem que não conseguem dormir.

Será que é verdade?

Também são perigosos, muito perigosos... Matam facilmente para alimentar o espírito mundano.

Um bloco carregado dos pecados da noite.

São eles... Os Pecadores.

São eles... Os Insanos.

São eles... Os Anjos da Noite!

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Carta ao homofóbico que arrancou meu sangue

Caro homofóbico,

Suponho que agora, depois de ter me surrado, você esteja um pouquinho
mais feliz.

Mesmo com dor pelo corpo todo, hematomas, nariz quebrado, sangue
coagulado, marcas, costelas quebradas, mesmo sentindo toda a dor do
mundo por ter sido espancado covardemente por você, fico feliz que
tenha tido o poder imenso de te fazer um pouquinho mais feliz, ao
menos, enquanto a surra durou.

Você pode me bater, me socar, xingar, tirar meu sangue, até me matar,
mas, tenha a certeza de que aquela sementinha que você queria arrancar
e tornar-me igual a você, continua aqui, intacta. Ainda continuarei te
assombrando com o meu rebolado, com as minhas roupas chamativas, com o
fato de eu amar e sentir tesão por outro homem, de cometer o crime
inafiançável de andar de mãos dadas com outro homem no meio da rua.

Sabe essa felicidade que você viu estampada no meu rosto e que quis
arrancar com socos e pontapés? Pois é, felizmente, ela continua aqui e
não vai a lugar algum. Depois que a dor passar, que os ossos sararem,
que meu medo cessar, vou continuar sendo gay, feliz, completo, e você?

Aqueles minutos em que me bateu já passaram e com eles o sentimento de
poder e invencibilidade se foram também, não é? Agora você voltou a se
sentir o lixo que você é, voltou a sentir o vazio que te consome as
entranhas, voltou a engolir todos aqueles sentimentos que você teima em
esconder, não é?

Ao me bater você se sentiu poderoso, homem com H maiúsculo, forte,
machão, invencível. E agora, como voltar a ter essa sensação de novo?
Bater em mais alguém? Pode até ser, mas e depois? Vai ficar batendo nas
pessoas a sua vida inteira para se sentir bem consigo mesmo? Que vida
triste essa sua. Prefiro a minha, aposto na minha – o sangue para de
correr, a dor passa, mas esse vazio que você sente aí dentro vai
passar? Pode ter a certeza que não. Ao me recuperar consegui pensar em
muita coisa. Qual o real motivo de você ter me surrado?

Eu estava apenas andando na rua, com minhas roupas chamativas, com meu
cabelo diferente, com um jeito de andar diferente. Por que você me
escolheu para descarregar todas as suas frustrações por meio da
violência? O que passou na sua cabeça quando você parou, me olhou,
analisou, percebeu que eu era diferente de você e, simplesmente,
resolveu me bater? O que você queria matar em mim? Minha sexualidade? E
por que ela incomoda tanto a você? Eu sequer percebi a sua presença,
não pode usar da desculpa que eu dei em cima de você, feri a sua
masculinidade te olhando com olhos de desejo.

Será que feri o seu orgulho de macho apenas por ser quem eu sou? Será
que você gostaria de se libertar de todas essas amarras com as quais
cerceou a sua vida e ser igualzinho a mim? Eu daria tudo para saber o
que se passou na sua mente nesses segundos antes de tomar a decisão.
Será que nos seus pensamentos, nos seus mais loucos devaneios, você
realmente achou que me batendo mataria em mim o gay que eu sou? Não vê
que assim, você me dá mais poder do que eu jamais pensei que teria? Eu
só posso ser muito especial a ponto de você se incomodar tanto e querer
me machucar. Será que eu tenho alguma coisa realmente muito poderosa
que você quer tão ardentemente arrancar de mim?

Fiquei divagando, e se eu usar essa coisa que você tanto quer a meu
favor? Que puta poder eu teria, então.

Imaginou se todos os gays do mundo (e olha que são muitos, pode
acreditar) usassem esse poder, essa coisa especial, a seu favor? Seria
uma revolução. Você já pensou nisso, não seria melhor, então, nos
deixar ser quem somos do que nos dar tanto poder? Em todas as guerras
que já aconteceram ao longo da história da humanidade, os povos se
matavam porque queriam alguma coisa que estava em posse do ‘inimigo’.

E quando essa ‘coisa’ passava de um povo para o outro, ele não se
fortalecia e virava uma potência? É isso que você quer? Pegar a minha
sexualidade para si e, assim, sentir-se completo e fortalecido? Imagina
se todos os gays que já foram vítima de algum tipo de preconceito
entendessem que sofreram essa retaliação porque têm em sua sexualidade
um poder imensurável? Como seria? Certamente iríamos lutar de volta,
mas sem a violência, porque somos seres humanos e não monstros boçais.
Aí a história seria outra.

Eu percebi isso, que toda a sua violência foi em vão, porque estou mais
forte, mais confiante. O que você quer, afinal, que eu me intimide,
fique com medo de apanhar de novo e pare de usar roupas chamativas, de
andar de mãos dadas com meu namorado, de beijar a pessoa que eu amo, de
amar outro homem, e me transforme em você? Uma pessoa fria, infeliz,
que passa pela vida apenas por passar, sem grandes ambições, a não ser
bater e acabar com tudo aquilo que o lembre de toda a sua mediocridade?

Não, muito obrigado, a vida é curta e eu quero mais é viver, ser feliz,
aproveitar cada segundo que me resta como se fosse o último, não tenho
tempo a perder com idiotices, covardia, intolerância e mediocridade.
Você arrancou o meu sangue, mas deixou marcado na minha alma algo muito
mais profundo e importante: ser quem eu sou, aceitar quem eu sou e a
minha verdade, é uma arma muito poderosa. E se isso te incomoda tanto,
desculpe, eu não tenho nada a ver com isso, afinal, nem te conheço.
Podem dizer o contrário, mas eu sei que vou para o céu.

Afinal, qual o meu crime? Amar, simplesmente. E o seu?

Se as igrejas e as religiões acham que isso é adorar Deus, incitar o
ódio contra as diferenças, desculpe, mas isso não é para mim e não
deveria ser para ninguém que é humano e tenha alguma noção de
humanidade. Você tem todo o direito de não me aceitar, de achar que o
que eu faço é errado, que eu vou queimar no fogo do inferno, mas daí a
partir para violência? Quem será que está errado nessa história? Quem é
você para me julgar? Antes de me apontar o dedo, por que você não se
olha no espelho e repensa tudo que faz de errado? Obrigado pelos
hematomas. Eles se tornarão cicatrizes de uma guerra que você acha que
ganhou. O que você fez, realmente? Me bateu covardemente no meio da rua.

E eu? Ganhei mais força para me obrigar a ser feliz. E, enquanto eu for
feliz, com minha coragem e minhas marcas da batalha, você continuará
atolado na merda em que você afundou a sua vida e onde enterrou todas
as suas chances de ser um pouco menos infeliz.

Quem ganhou, afinal?

Para um querido amigo que foi vítima, ontem (15/2), de um troglodita.


Alexandre Pereira

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Um amor faz falta!

Ah...
Um amor faz falta!
Ter alguém pra ficar agarradinho no frio
Assistir uma comédia romântica na tv
Deitar no colo e ficar olhando para as estrelas numa noite tranqüila
Olhar a qualquer momento no celular e ver uma chamada não atendida simplesmente pra você saber que ele(a) está pensando em você
Deitar cansado e ter um sonho bom...
Um amor faz falta!
Ah... e como faz...


Por mim.

Sou uma antítese!

Sou o bem e o mal...

o feliz e o triste...

o singular e o plural...

o A e o Z...

o início e o fim...

o sorriso e a lágrima

o céu e o mar...

ou melhor... eu SOU!


Por mim.

Pergiosamente Apaixonado

Quem você pensa que é?

Entra na minha vida como quem não quer nada e...

e... me faz sentir culpado, amado, desejado, odiado, invejado...

Você não tem o direito de invadir meu espaço assim e tentar me confundir.

Não sei porquê eu mesmo me faço carregar o fardo de uma culpa que não é minha

na verdade a culpa não é de ninguém, simplesmente aconteceu!

Eu me arrependeria se eu não tivesse feito.

Curto intensamente o momento como se fosse o último e por fazer assim que já fui levado a lágrimas e sorrisos,

Mas a vida é assim, cheia de contrastes, então só tenho a dizer EU ESTOU AQUI !!!!!!!

Acho que infelizmente levei algo a sério demais!

Será que foi um erro? Será que não deveria ter acontecido?

Sim... tinha que acontecer, mas não foi erro, eu não sou burro, cometi esse erro duas vezes, pelo menos eu aprendi !!!!!!


Por mim.

Seja

Mas antes de ser por inteiro, seja dos outros.

E antes que se entregue por completo à alguém, saiba que ninguém pertence à ninguém, e que você é seu.

Você não é aquilo que sua vida é.

Você não é o momento que você vive nem o amor perdido.

Você é aquilo que ninguém vê.

Uma coleção de histórias, estórias, memórias, dores, delícias, pecados, bondades, tragédias e sucessos, sentimentos e pensamentos.

Se definir é se limitar. Você é um eterno parênteses em aberto,enquanto sua eternidade durar...

Segue o teu destino

Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.
A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.
Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.
Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.
Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.


Ricardo Reis

Quando Nos Amamos

Meu corpo transcende a alma

imerso em sentidos.

Paz, calma

na fúria dos instintos.

O toque a elevar-me ao firmamento,

esvair-me em magia

a cada caricia

o vôo do pensamento.

O sol a cair nos braços da lua,

a meia noite no relógio

a se encontrarem os ponteiros,

desnudando segredos,

no fundir dos nossos corpos,

sou sua.

Suada, molhada,

rasgada em prazeres

que não se fazem dizeres.

De lábios que pronunciam beijos,

de seios que amamentam os desejos,

de pêlos que cedem ao apelo,

do gozo da mente

que apenas sente.


Natasha Maximilian

Difícil

Sexo é bom!

Eu disse não
Ela não ouvia
Mandei um sim
Logo serviu
Então pensei
Ela é bela
Porque não com ela
Sexo é bom!
Hum!

Mas acontece que eu
Eu tenho esse vício
De gente difícil no amor
Alguém lá no início
Me aplicou
E me fez louca
Me fez pouca
Me fez o que sou
Difícil!
Nem sempre

Nem interessa
Se eu recomendaria
É tão depressa
Nem quero pensar
Quando a picada vem

Mas paixão e gozo
Se sabe isso vicia
"Aí garota, eu gosto assim"
Difícil! Oh!...

Mas eu disse não
E não ouviu

Mas eu disse não
Mandei um "sim"
Pensei!


Marina Lima

Manias

Dentre as manias que eu tenho uma é gostar de você

Mania é coisa que a gente tem mas não sabe porque

Mania de querer bem, às vezes de falar mal

Mania de não deitar sem antes ler o jornal

De só entrar no chuveiro cantando a mesma canção

De só pedir o cinzeiro depois da cinza no chão

Eu tenho várias manias, delas não faço segredo

Quem pode ver tinta fresca sem logo passar o dedo

De contar sempre aumentado tudo o que diz ou que fez

De guardar fósforo usado dentro da caixa outra vez

Mania é coisa que a gente tem mas não saber porque

Dentre as manias que eu tenho uma é gostar de você


Dolores Duran

Dez Coisas Que Eu Odeio Em Você



"Odeio o modo como fala comigo
E odeio quando corta o cabelo
odeio como dirige meu carro
e odeio seu desmazelo
odeio suas botas de combate
e como consegue ler minha mente
eu odeio tanto isso em você que até me sinto doente
eu odeio, odeio como está sempre certo
e odeio quando mente
odeio quando me faz rir
e mais ainda quando me faz chorar
odeio quando não está perto
e o fato de você não me ligar
Mas odeio principalmente não conseguir te odiar, nem um pouco, nem por um segundo, nem mesmo só por te odiar."

Dançando

Dançando muito
Dançando solto
Dançando bem diferente
Dançando curto
Dançando torto
Jogando o corpo pra frente
Dançando estranho
Dançando lindo
Dançando muito contente
Dançando funky
Dançando samba
Daçando diversamente
Quero porque quero e não espero para começar
Danço porque danço e não descanso até o sol raiar
Dançando certo
Dançando louco
Dançando contra a corrente
Dançando leve
Dançando brusco
Dançando assim simplesmente
Dançando lento
Dançando justo
Dançando rapidamente
Dançando solo
Dançando junto
Dançando com toda gente
Quero porque quero e não espero para começar
Danço porque danço e não descanso até o sol raiar


Adriana Calcanhoto

Pequenas Distrações


Gregório Bacic


A antiga mureta subiu com a rapidez com que sobem os tijolos de uma sepultura. As setas dos portões cresceram apontadas para o céu, e só não se perderam no espaço porque a laje do primeiro andar do sobrado as conteve... com determinação. Uma guarita se instalou na calçada entre as arvores moribundas na entrada dos automóveis, no chão cimentado que antes da reforma era um jardim ingênuo, de copos de leite e rosas vermelhas. As janelas dão contra a vontade para a rua, a rua... envergando grades de puro aço que entre as frestas mal permitiria a passagem de um gato esguio.

A casa antigamente singela, só não se transformou num bunker total de segurança máxima, porque permanecia vulnerável às quedas dos aviões, do jeito que as coisas iam; aos bombardeios aéreos, que mais cedo ou mais tarde o crime lançaria mão. O patrimônio da família - o medo - estava provisoriamente a salvo; medo de ladrões, dos seqüestradores, dos estupradores, medo dos ventos, das enchentes, dos miseráveis, dos poderosos, dos fiscais, medo do terror, dos traficantes, dos negros, dos nordestinos, medo dos maloqueiros da favela, dos vendedores, dos cobradores, dos pregadores fanáticos, dos moto-boys que fumam maconha, dos ônibus lotados que despencam pela rua, medo da liberdade, medo da morte, medo da vida, medo do outro. Apesar de já inexpugnável, a fortaleza crescia ainda mais - era preciso assegurar-se da confiabilidade dos guariteiros.

Assim a família instituiu o uso doméstico do crachá, todos os novos residentes: pai, mãe, avó, tio avo, filho, duas filhas, nora e genro, deveriam portá-lo no peito, cabendo ao guariteiro liberar a entrada somente aquele que cumprisse a norma. E nisso as mulheres da casa questionaram a real eficácia do método, e protestaram contra o anúncio de que haveria crachás para os visitantes. O que condenaria o fim ao gosto da filha mais nova de 15 anos, vista em casa como perigosamente distraída, à receber amigas da escola. Só assim pudera provar se os guariteiros eram cumpridores e responsáveis de suas tarefas - Sem crachá -ninguém entra! Nem o dono, por mais inconfundível que seja aos olhos de seus servidores. Decidiu então pela obrigatoriedade dos guariteiros preencherem relatórios diários, enumerando horários de saída, entrada - e numa coluna de ocorrências extraordinárias, a passagem de terceiros, como carteiros, entregadores de jornais, mendigos, e outras pessoas vista com suspeita! Quem sabe não estaria ali se esboçando um crime hediondo de seqüestro! O crescimento vertiginoso desses eventos nessas estatísticas determinavam a preferência da família por carros populares, os únicos capazes de não chamar a atenção dos criminosos a espreita. Mas como bastasse um único descuido para por tudo a perder, resolveu-se elidir os riscos providenciando a blindagem da frota familiar de Uno Mile!

Na manhã seguinte decidiu-se instalar uma câmera de vídeo voltada para os portões, evoluiu-se para um sistema completo de capitação de imagens e de sons, ocultando-se micro câmeras, microfones, nos pontos do lar considerados estratégicos. Quando a filha mais nova, vista em casa como perigosamente distraída, esqueceu-se da vigilância eletrônica, e masturbando-se, foi surpreendida pela câmera, instalada na dispensa. Por não saber como abordar o assunto, o pai fingiu não ter visto nada! - e transferiu o fardo para a mãe. As mulheres da casa foram informadas que sua intimidade estava suspensa, não se sendo aconselhável banhar-se ou trocar de roupa sem antes reservarem horários apropriados, de curta duração, em que as gravações dos banheiros seriam interrompidas para revisão técnica! A mãe contornou o mal estar argumentando se aquele era um preço alto a ser pago, seria ainda muito baixo, caso um dia as câmeras viessem a registrar cenas de estupros! Quanto à filha mais nova de 15 anos, vista em casa como perigosamente distraída, foi severamente admoestada pela indecência que gerou a situação... mas ganhou da cunhada como consolo um filhote de Chiuaua, a quem deu o nome de Speed Gonzales. Tanto se apegou que passaram a ser tratados na casa como casal Gonzales!

Agora o sistema de segurança era comprovadamente perfeito... mas e se algo falhasse...? Foi necessário reforçar a segurança com pit bulls amestrados, Goebbels e Goering. Com penúltima instancia, sim porque havia uma penúltima instancia, metralhadoras de cano curto, Calachini Cov, adquiridas à um contrabandista para armar a família contra terríveis conseqüências de um porre, um surto de loucura, ou até mesmo da traição do segurança nordestino de plantão! Ah... a traição do segurança nordestino de plantão! A lógica imperava mais uma vez, para enfrentar o pior inimigo, somente com a mais poderosa arma do pior inimigo. O recebimento de pizza, duas vezes por semana, mereceu o nome de Operação Marguerita 1, claro, depois se repetindo com 2, 3, 4, consistia na distribuição dos homens da família em pontos recônditos da casa, a espreita... com suas Calachini Covs em punhos, prontas para disparar. Escondendo-se o pai atrás da janela do sótão com uma granada na mão onde poderia observá-lo em torno e contra atacar se necessário! Enquanto o mulheril se postava em alerta na sala de jantar, empunhando talheres pontiagudos, especialmente afiados para a ocasião, com que deceparia os vilões acuados, os dedos, ou as mãos, ou que mais fosse preciso... O tio avô recebia a entrega pelo vão da jaula de portões, não sem antes obrigar o entregador a provar um naco da pizza. Para certificar-se se não trazia soporíferos, barbitúricos, ou drogas de qualquer espécie, que pudessem arrefecer as trincheiras da família. Por que atravessar a vida arrastando esse fardo cruel, que nada contém a não ser o medo do que poderia um dia... talvez... quem sabe... por ventura vir a acontecer? Por que não baixar a guarda e cuidar sem temor para que a vida pudesse correr solta lá fora... lá fora?

A filha mais nova de 15 anos chegou a fazer essas perguntas em casa, foi vista -- é claro -- como perigosamente distraída, ingênua! Como seria possível fechar os olhos para a realidade? E a realidade é que já não se respeitam mais os valores que fizeram o mundo caminhar até aqui, sabe onde se escondem os bandidos? Nem mais se escondem. Hoje em dia são as pessoas direitas que se escondem. É preciso desconfiar de tudo e de todos, porque o tiro perdido, a bala certeira vem, não se sabe de onde, mas vem! Chamar a policia?! Nem pensar, seria o mesmo de abrir as portas de casa e expor as fragilidades do nosso reduto a pessoas suspeitas. Que depois certamente darão serviço a sabe-se lá quem... Por distração da filha mais nova de 15 anos vista em casa como perigosamente distraída, Speed Gonzales, o filhote de chiuaua escapou para o quintal... invadiu o cercado dos pit bulls, sendo estraçalhado por Goering, em atraso a filha mais nova de 15 anos, vista em casa como perigosamente distraída, não chegou a tempo, em estado de choque, seus olhos puderam apenas acompanhar os minutos finais do minúsculo Speed Gonzales, que era devorado pelo mastodonte que relutava para não dividir o petisco com o enfurecido Goebbels.

A família cachapou-se de tal forma com o estado da filha, que decretou por 3 dias o toque de recolher. Durante o qual se deveriam extrair lições da tragédia doméstica... estampado nos olhos esbugalhados e no silêncio estarrecido da bela menina recolhida à cama. O que seria deles, se a tragédia, viesse de fora?! Pelas mãos criminosas de estranhos? Já no segundo dia porem a consternação familiar se esvaziou, dando espaço a algo irrefreável, que tomava corpo, um discreto sentimento de orgulho para com a atuação de Goering, em sua primeira situação de risco enfrentada naquela casa, diante do cãozinho invasor, não negou fogo, mostrou a que veio!! No terceiro alvorecer, a filha mais nova, de 15 anos, vista em casa como perigosamente distraída, trajando um baby-doll cor-de-rosa transparente sobre o corpo nu e calçando pantufas, desceu plácida para o quintal, rumo ao cercado de cães. Esganiçando Goebbels e Goering lançaram-se em sobressalto contra a grade. Uma Calachini Cov ergueu-se serena e calculadamente nas mãos da menina que metralhou os cães! Com a mão esquerda brandindo a arma para o alto, o braço direito e os quadris da menina iniciaram um meneio lento, sensual, evoluindo para a fúria lasciva de uma dança inebriante, orgástica em torno dos cães mortos. Os olhos azuis extasiados descobriram a câmara posta no alto. Num golpe arrebatado, a filha mais nova, vista como perigosamente distraída, rasgou a seda cor-de-rosa frontal que a cobria e, orgulhosa e provocadora, ofereceu os peitos assoberbados para o equipamento, após o que, o metralhou. Até aquele momento, toda cena poderia ter sido assistida pelo circuito interno de TV. Mas por quem, se já não havia sobreviventes?

Prosa Patética

Nunca fui de ter inveja, mas de uns tempos pra cá tenho tido.

As mãos dadas dos amantes tem me tirado o sono.

Ontem, desejei com toda força ser a moça do supermercado.

Aquela que fala do namorado com tanta ternura.

Mesmo das brigas ando tendo inveja.

Meu vizinho gritando com a mulher, na casa cheia de crianças,

sempre querendo, querendo.

Me disseram que solidão é sina e é pra sempre.

Confesso que gosto do espaço que é ser sozinho.

Essa extensão, largura, páramo, planura, planície, região.

No entanto, a soma das horas acorda sempre a lembrança

do hálito quente do outro. A voz, o viço.

Hoje andei como louca, quis gritar com a solidão,

expulsar de mim essa Nossa senhora ciumenta.

Madona sedenta de versos. Mas tive medo.

Medo de que ao sair levasse a imensidão onde me deito.

Ausência de espelhos que dissolve a falta, a fraqueza, a preguiça.

E me faz vento, pedra, desembocadura, abotoadura e silêncio.

Tive medo de perder o estado de verso e vácuo,

onde tudo é grave e único. E me mantive quieta e muda.

E mais do que nunca tive inveja.

Invejei quem tem vida reta, quem não é poeta

nem pensa essas coisas. Quem simplesmente ama e é amado.

E lê jornal domingo. Come pudim de leite e doce de abóbora.

A mulher que engravida porque gosta de criança.

Pra mim tudo encerra a gravidade prolixa das palavras: madrugada, mãe, ônibus, olhos, desabrocham em camadas de sentido,

e ressoam como gongos ou sinos de igreja em meus ouvidos.

Escorro entre palavras, como quem navega um barco sem remo.

Um fluxo de líquidos. Um côncavo silêncio.

Clarice diz, que sua função é cuidar do mundo.

E eu, que não sou Clarice nem nada, fui mal forjada,

não tenho bons modos nem berço.

Que escrevo num tempo onde tudo já foi falado, cantado, escrito.

O que o silêncio pode me dizer que já não tenha sido dito?

Eu, cuja única função é lavar palavra suja,

nesse fim de século sem certeza?

Eu quero que a solidão me esqueça.

Viviane Mosé

quem tem olhos pra ver o tempo soprando sulcos na pele soprando sulcos na pele soprando sulcos?

o tempo andou riscando meu rosto

com uma navalha fina

sem raiva nem rancor

o tempo riscou meu rosto

com calma

(eu parei de lutar contra o tempo

ando exercendo instantes

acho que ganhei presença)

acho que a vida anda passando a mão em mim.

a vida anda passando a mão em mim.

acho que a vida anda passando.

a vida anda passando.

acho que a vida anda.

a vida anda em mim.

acho que há vida em mim.

a vida em mim anda passando.

acho que a vida anda passando a mão em mim

e por falar em sexo quem anda me comendo

é o tempo

na verdade faz tempo mas eu escondia

porque ele me pegava à força e por trás

um dia resolvi encará-lo de frente e disse: tempo

se você tem que me comer

que seja com o meu consentimento

e me olhando nos olhos

acho que ganhei o tempo

de lá pra cá ele tem sido bom comigo

dizem que ando até remoçando

muitas doenças que as pessoas têm são poemas presos

abscessos tumores nódulos pedras são palavras

calcificadas

poemas sem vazão

mesmo cravos pretos espinhas cabelo encravado

prisão de ventre poderia um dia ter sido poema

pessoas às vezes adoecem de gostar de palavra presa

palavra boa é palavra líquida

escorrendo em estado de lágrima

lágrima é dor derretida

dor endurecida é tumor

lágrima é alegria derretida

alegria endurecida é tumor

lágrima é raiva derretida

raiva endurecida é tumor

lágrima é pessoa derretida

pessoa endurecida é tumor

tempo endurecido é tumor

tempo derretido é poema

palavra suor é melhor do que palavra cravo

que é melhor do que palavra catarro

que é melhor do que palavra bílis

que é melhor do que palavra ferida

que é melhor do que palavra nódulo

que nem chega perto da palavra tumores internos

palavra lágrima é melhor

palavra é melhor

é melhor poema

receita para arrancar poemas presos:

você pode arrancar poemas com pinças

buchas vegetais. óleos medicinais

com as pontas dos dedos. com as unhas

com banhos de imersão

com o pente. com uma agulha

com pomada basilicão

alicate de cutículas

massagens e hidratação

mas não use bisturi nunca

em caso de poemas difíceis use a dança.

a dança é uma forma de amolecer os poemas

endurecidos do corpo.

uma forma de soltá-los

das dobras dos dedos dos pés. das vértebras

dos punhos. das axilas. do quadril

são os poema cóccix. os poema virilha

os poema olho. os poema peito

os poema sexo. os poema cílio

ultimamente ando gostando de pensamento chão

pensamento chão é poema que nasce do pé

é poema de pé no chão

poema de pé no chão é poema de gente normal

gente simples

gente de espírito santo

eu venho do espírito santo

eu sou do espírito santo

traga a vitória do espírito santo

santo é um espírito capaz de operar milagres

sobre si mesmo

para uma nova gramática:

imagine um sentimento água. um sentimento árvore.

uma agonia vidro. uma emoção céu. uma espera pedra.

um amor manga. um colorido vento sul. um jeito casa

de ser. uma forma líquida de pensar. uma vida paredes.

uma existência mar. uma solidão cordilheira. uma alegria pássaro em chuva fina. uma perda corpo.

acho que hoje acordei semente. tenho andado muito temporal. minha irmã vive um momento tudo. a vida

às vezes transborda pelos poros. me atinge um estado livro. aurora em meus joelhos. tem pessoas ponte.

algumas carregam a gravidade nas costas. já conheci gente.


Viviane Mose